quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condena PMs por improbidade administrativa

Policiais militares são agentes públicos e, portanto, devem responder por atos de improbidade administrativa perante a Justiça comum. Com base nesse entendimento, a 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve integralmente a sentença que condenou os PMs Jorge Araújo Ferreira, Rosinam Lucio Gomes e Elias Pereira Ribeiro à perda de suas funções públicas e ao pagamento de multa referente a cinco vezes o salário que recebiam. Os policiais também tiveram seus direitos políticos suspensos por oito anos. O julgamento que negou o Agravo Interno interposto pelos réus aconteceu no último dia 29 de janeiro.
 
Em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público, os três foram acusados por ato de improbidade administrativa devido à prática do crime de concussão, que é quando um agente do Estado exige vantagem indevida aproveitando-se do temor de represálias e do constrangimento da vítima. O caso ocorreu no dia 26 agosto de 2002, em Araruama (RJ), quando duas mulheres tiveram o carro parado para averiguação pelos policiais. Como ficou provado na investigação criminal, os PMs receberam R$ 200 para liberá-las do crime de uso de entorpecentes, cujo flagrante eles próprios haviam forjado ao “plantarem” a substância no veículo. Na ação penal, ainda em trânsito, os réus foram condenados pelo crime de concussão e ocultação irregular de arma de fogo (um dos policiais mantinha em seu armário um revólver sem registro).
 
Na sua contestação, Elias Ribeiro alegou ilegitimidade ativa do MP-RJ para propor a ação e que a Justiça Militar seria o juízo competente para o seu caso. Ressaltou também que ele ainda não foi condenado, de forma definitiva, na Justiça Criminal. Rosinam Gomes argumentou que a improbidade administrativa se dá quando o agente pratica fato contra a administração pública ou entidades ligadas ao poder público, e que este não era o caso. Já a defesa de Jorge Ferreira argumentou pela inadequação da Ação Civil Pública, visto que não há dano material ou patrimonial a ser ressarcido ao erário.
 
As alegações foram refutadas na sentença assinada pelo titular da 2ª Vara Cível da comarca de Araruama (RJ), juiz Carlos Eduardo Iglesias Diniz. Ele citou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pela qual policiais militares, como agentes públicos, são passíveis de responder por atos de improbidade perante a Justiça comum. Sobre a jurisdição civil da Justiça Militar Estadual, disse que ela abrange somente as ações judiciais propostas contra atos disciplinares militares.
De acordo com a desembargadora Marilia de Castro Neves Vieira, que relatou o acórdão, a conduta dos policiais se amolda ao artigo 11, da Lei 8.422/92, que estabelece as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do cargo. Pelo artigo, constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública “qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”.
 
“Os réus, na qualidade de agentes públicos, violaram, consciente e voluntariamente, todos os deveres inerentes a seus cargos, o interesse público primário, os direitos fundamentais dos cidadãos e os princípios norteadores da Administração Pública”, afirma a relatora. Os PMs terão ainda que dividir o pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 3 mil, a serem depositados em favor do MP-RJ.
 
Fonte: Conjur.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Rapaz agredido por seguranças de shopping recebe R$ 5 mil de indenização


Tribunal de Santa Catarina concedeu indenização por danos morais, no valor de R$ 5 mil, em favor de um jovem agredido por seguranças de um shopping center, em balneário do litoral norte do Estado.

De acordo com os autos, a segurança foi acionada por clientes de um bar no interior do shopping, sob o argumento de que um casal de namorados ora brigava, ora se excedia em carícias.

Desgostoso com a advertência, o rapaz foi cobrar a posição dos seguranças, momento em que acabou levado ao subsolo do estabelecimento, onde foi agredido física e verbalmente com socos, pontapés e palavras de baixo calão.

"Ainda que ficasse demonstrado que o apelante tivesse iniciado discussão ou, ainda, tentado de qualquer forma agredir os seguranças, o acervo probatório evidencia que os profissionais da ré, de quem se espera treinamento e preparo físico e psicológico para o enfrentamento de problemas deste tipo, não agiram em conformidade com a natureza do trabalho que prestam", anotou o desembargador substituto Saul Steil, relator da matéria.

No seu entender, não se pode admitir abusos, assim como uso de força bruta desproporcional por parte de seguranças, que ali estão para garantir a integridade dos clientes. Em primeiro grau, o pleito fora julgado improcedente. A decisão no TJ foi unânime (Apelação Cível n. 2013.068060-2).
 
Fonte: TJSC.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Rio de Janeiro indenizará homem mantido preso por 12 anos

Por unanimidade, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou o Estado do Rio a indenizar em R$ 500 mil um homem que permaneceu em prisão cautelar por 11 anos e 8 meses e foi absolvido ao final do processo. O colegiado proveu parcialmente os recursos de ambas as partes: do Estado, ao reduzir o valor da indenização moral de R$ 2 milhões para R$ 500 mil, e do autor da ação, majorando os honorários advocatícios para 10% do valor da condenação. O julgamento ocorreu no último dia 5 de fevereiro.
Acusado de ter praticado homicídio triplamente qualificado do jornalista Aristeu Guida da Silva, em 12 de maio de 1995, que investigava irregularidades na política local de São Fidélis (RJ), Vladimir Ranieri Pereira Sobrosa ficou preso aguardando o julgamento. No entanto, o primeiro julgamento ocorreu somente após veiculação de uma reportagem no Fantástico, programa da TV Globo, quando já contava sete anos de reclusão. Segundo ele, o longo período no cárcere o impediu de presenciar o crescimento de seu filho. Vlamidir foi transferido mais de 24 vezes, o que inviabilizava a visita de seus familiares. Durante todo esse tempo, sobreviveu a diversas rebeliões.
Na contestação, o Estado alegou que o processo criminal tramitou dentro de um prazo razoável, devido à necessidade de se apurar corretamente os fatos, dando ao réu todas as possibilidades para exercer o contraditório e a ampla defesa. Ressalta ainda que o processo demorou por ter sido levado a júri por três vezes. Por fim, defendeu a inexistência de responsabilidade civil do Estado.
De acordo com o relator do acórdão, desembargador Luciano Rinaldi, a ilegalidade está na própria duração da prisão cautelar. “Pelo prisma da dignidade da pessoa humana, devido processo legal e duração razoável do processo, equipara-se ao erro judiciário manter-se a prisão cautelar de indivíduo, ao final absolvido, por 11 anos e oito meses”, afirma. Para ele, não há justificativa razoável no ordenamento jurídico para tal fato, que revela, “com triste nitidez, o drama da morosidade da Justiça”.
“Se, por hipótese, o Autor houvesse sido efetivamente condenado, seguramente não teria cumprido pena em regime fechado por um período de tempo tão extenso, circunstância que torna ainda mais evidente a responsabilidade civil do Estado”, pontua Rinaldi, ressaltando que o texto constitucional assegura a todos, no processo judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Clique aqui para ler a decisão.
 
Fonte: Conjur.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

FGTS - Revisão

Cresce o número de brasileiros que tentam conseguir na Justiça uma mudança na correção do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O volume de ações começou a crescer no ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que a TR não poderia ser usada como índice de correção monetária para os precatórios. A partir daí, muitos advogados entenderam que esse raciocínio poderia ser estendido para o debate sobre o FGTS. Na semana passada, a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou uma ação civil pública na Justiça do Rio Grande do Sul pedindo que a correção do FGTS seja alterada para melhor refletir a perda do poder de compra. O juiz da 4ª Vara Federal de Porto Alegre, Bruno Brum Ribas, já decidiu que as resoluções ao longo desse processo terão validade em todo o País. Na avaliação do magistrado, é preciso reconhecer o alcance nacional da questão "sobretudo pela inquestionável proliferação de demandas da espécie já há alguns meses em todo o País"
 
Fonte: O Estado de São Paulo.

Força-tarefa

O crescimento do volume de ações judiciais pleiteando a correção do valor do FGTS pela inflação levou o governo a montar uma força-tarefa na área jurídica para derrubar estes processos nos tribunais, antes que cheguem ao Supremo Tribunal Federal. A Caixa Econômica Federal, gestora do FGTS, pediu ajuda à Advocacia-Geral da União (AGU) para recorrer das sentenças já expedidas. Segundo informações da Caixa, no dia 31 de janeiro, havia 39.269 reivindicações na Justiça. Na última sexta-feira (7/2), o número já estava em 45.343, sendo que 21.159 delas o banco conseguiu reverter, em primeira instância. Mas o governo sabe que o assunto chegará ao Supremo.
 
Fonte: O Globo.

Empresa é punida por obrigar empregada a tirar roupa em revista

Uma auxiliar de produção conseguiu aumentar de R$ 5 mil para R$ 20 mil no Tribunal Superior do Trabalho indenização por ter sido constrangida pela empresa na qual trabalhava. A gerente determinou que as funcionárias formassem uma fila, baixassem as calças e exibissem a roupa íntima para saber qual delas estava usando absorvente higiênico. Os ministros da Sétima Turma consideraram o caso um dos mais graves atos de constrangimento a que pode ser submetida uma mulher no ambiente de trabalho.
 
A empregada foi admitida pela Fax Point Indústria Importação e Exportação Ltda., de São Paulo, em maio de 1998. Neste mesmo ano, a gerente da empresa, ao fazer uma inspeção nos banheiros, encontrou um absorvente feminino exposto e convocou as funcionárias para investigar quem o havia deixado. No momento da revista, em fila, cada uma era obrigada a baixar a roupa e a roupa íntima para que a gerente fizesse a verificação.
A situação, segundo a trabalhadora, gerou angústia e grave constrangimento a ela e às colegas por terem sido alvo de chacota e de humilhação no trabalho, situação que se tornou mais grave porque o fato foi amplamente divulgado. Ao deixar a empresa, ela requereu em juízo o pagamento de indenização pelos danos morais sofridos, além de outras verbas trabalhistas. A empresa contestou as alegações afirmando que jamais agiu de forma desrespeitosa com a auxiliar de produção, e que não houve dano capaz de justificar a pretensão de indenização.
Ao examinar o caso, a 40ª Vara do Trabalho de São Paulo não acolheu o pedido com relação aos danos morais por entender que o fato não estava demonstrado. A empregada recorreu da decisão para o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), que julgou procedente o pleito e apontou depoimento de testemunha que confirmou o constrangimento decorrente da revista íntima. A indenização foi fixada no valor de R$ 5 mil.
Questão de gênero
A auxiliar novamente recorreu da decisão, desta vez ao TST, por considerar que a indenização foi excessivamente módica se comparada com a extensão do dano. Ao julgar o caso, a Sétima Turma entendeu que o caso chamava atenção não só em razão da indenização desproporcional, mas porque a atitude da empresa foi extremamente agressiva à intimidade das empregadas, ficando evidente que a trabalhadora sofreu revista vexatória e dano à sua honra.
Na sessão em que o caso foi julgado, a relatora, ministra Delaíde Miranda Arantes, afirmou que a extensão do dano ultrapassou a questão do constrangimento e envolveu, sobretudo, a questão de gênero. Destacou que não é possível avaliar o que significa, na vida de uma mulher, essa forma de exposição tão constrangedora.
O ministro Vieira de Mello Filho considerou a atitude patronal agressiva à intimidade da empregada e afirmou que o dano era absurdo, não existindo caso maior de violação à intimidade no ambiente de trabalho. Por essas razões e com base no artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal, a Sétima Turma deu provimento ao recurso para elevar a indenização para R$ 20 mil. A decisão foi unânime.
 
Fonte: TST.

Habeas Corpus negado para homem acusado de jogar carro sobre ex-namorada por ciúmes

Tribunal rejeitou pedido de liberdade formulado por homem que, inconformado com término do relacionamento amoroso, atropelou a ex-namorada e fugiu sem prestar socorro. Consta dos autos que, após várias ameaças de morte, enviadas por mensagens para o celular da ex, o paciente decidiu atropelar a mulher surpreendendo-a quando esta saía do trabalho, recurso que impossibilitou a defesa da vítima.

Segundo o processo, ficou claro que o crime deu-se por motivo torpe - ciúmes. No habeas corpus, o paciente que alegou ser primário, ter ocupação lícita e residência fixa, pleiteou recorrer em liberdade. "O modus operandi do paciente demonstrou a sua periculosidade social, porquanto além de proferir ameaças contra à vítima por meio de SMS, atropelou-a quando esta saía de seu local de trabalho, evadindo-se do local sem prestar-lhe socorro, o que demonstra, em tese, seu intento homicida", anotou o desembargador Sérgio Rizelo, relator do HC.

O magistrado enfatizou que pelo modo violento com o qual o paciente procura resolver seus conflitos, subsiste a necessidade de salvaguardar a ordem pública e a integridade física da vítima, porque se solto, poderá reiterar a conduta criminosa. Por fim, ressaltou que ter endereço conhecido e emprego não bastam para a soltura do acusado.
 
TJSC.

As consequências do jeitinho brasileiro na adoção ilegal de crianças

O número de crianças e jovens aptos para a adoção no Brasil é de 5,4 mil, segundo dados de outubro de 2013 do Cadastro Nacional de Adoção (CNA). O cadastro foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em abril de 2008, para centralizar as informações dos Tribunais de Justiça do país sobre pretendentes e crianças disponíveis para encontrar uma nova família – e também para auxiliar os juízes na condução dos processos de adoção.

Apesar de seu esforço para acelerar esses procedimentos, a Justiça ainda não consegue evitar a prática de algumas famílias, que se utilizam do “jeitinho brasileiro” para adotar crianças. É a chamada adoção à brasileira.

A adoção à brasileira se caracteriza “pelo reconhecimento voluntário da maternidade/paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao procedimento de adoção, o casal (ou apenas um dos cônjuges/companheiros) simplesmente registra o menor como seu filho, sem as cautelas judiciais impostas pelo estado, necessárias à proteção especial que deve recair sobre os interesses da criança”, explicou a ministra Nancy Andrighi em um de seus julgados sobre o tema.

Da diferenciação à igualdade
A Constituição Federal de 1988 (CF) encerrou definitivamente a diferenciação de direitos estabelecida pelo Código Civil de 1916, entre filhos legítimos, ilegítimos e adotados (artigos 337 a 378).

Estabeleceu no parágrafo 6º do artigo 227 que os filhos provindos ou não do casamento, ou de adoção, possuem os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

O Código Civil de 2002 (CC/02) seguiu o ordenamento constitucional ao tratar do assunto no seu artigo 1.596. Definiu no artigo 1.618 que a adoção de crianças e adolescentes deveria ser feita de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90) –, o qual foi aperfeiçoado pela Lei 12.010/09, chamada Lei da Adoção, aprimorando a sistemática para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes.

Ao tratar do assunto, o Código Penal estabeleceu que a prática da adoção à brasileira é criminosa, prevendo inclusive pena de reclusão de dois a seis anos. É o chamado crime contra o estado de filiação, trazido pelo artigo 242: dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil.

Suspeita de tráfico
Além de sujeitar o adotante a essas sanções penais, a adoção informal pode dar margem à suspeita de outros crimes, como se viu em caso julgado recentemente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

O recurso em habeas corpus trouxe a história de um bebê recém-nascido, entregue pelos pais biológicos a um casal. A entrega foi intermediada por terceiro, que possivelmente recebeu R$ 14 mil. A mãe biológica também teria recebido uma quantia de R$ 5 mil pela entrega da filha.

No registro da criança constou o nome da mãe biológica e do pai adotante, que se declarou genitor do bebê. A criança permaneceu com o casal adotante por aproximadamente quatro meses, até ser recolhida a um abrigo em virtude da suspeita de tráfico de criança.

O Ministério Público de Santa Catarina ajuizou ação de busca e apreensão do bebê, com pedido de destituição do poder familiar do pai registral e da mãe biológica, bem como de nulidade do registro de nascimento. O juízo de primeira instância deferiu em caráter liminar o acolhimento institucional da criança. O casal impetrou habeas corpus pedindo o desabrigamento da criança e a sua guarda provisória.

Com a negativa do habeas corpus pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), o casal recorreu ao STJ. Afirmou que a criança estava sofrendo “danos psicológicos irreversíveis” em virtude da retirada do lar e que não houve tráfico de criança.

Antes de 2009, o STJ tinha o entendimento pacífico de que não era possível a discussão de questões relativas à guarda e adoção de crianças e adolescentes utilizando-se a via do habeas corpus. Entretanto, em julgamentos a partir dessa data, os magistrados da Corte têm excepcionado o entendimento “à luz do superior interesse da criança e do adolescente”, esclareceu Sanseverino. Segundo o ministro, a análise do caso deve se limitar à validade da determinação legal de acolhimento institucional do menor e posterior encaminhamento para adoção.

Situação de risco

A Terceira Turma negou provimento ao recurso. De acordo com Sanseverino, não houve ilegalidade no acolhimento institucional da criança. O ministro explicou que o acolhimento não foi devido apenas à preservação do CNA, legalidade contida no artigo 50 do ECA, ou em virtude da fraude no registro, mas também porque foi identificada uma “situação de risco concreto à integridade moral e psicológica da infante, diante da suspeita da ocorrência de crime de tráfico de criança”.

Ao analisar os autos, Sanseverino afirmou que, mesmo sem a comprovação do pagamento pela criança, ela foi efetivamente negociada pelos envolvidos. O ministro ressaltou que a conduta do casal, que passou por cima das normas legais para alcançar seu objetivo, “coloca em dúvida os seus padrões éticos, tão necessários para a criação de uma criança”.

“Tal situação, a meu ver, não pode ser endossada pelo Poder Judiciário, sob pena de desestimular pretensos adotantes a seguir os trâmites legais, e, em última análise, estimular o tão repugnante comércio de bebês”, garantiu o ministro.

Parentalidade socioafetiva

A jurisprudência do STJ tem exemplos de casos em que crianças foram adotadas ilegalmente, de maneira consciente e voluntária, por pessoas que após determinado tempo resolveram negar a paternidade, ignorando o vínculo socioafetivo criado. Nesses julgados, é possível perceber a prevalência da paternidade socioafetiva.

Nesse sentido, foi julgado o recurso de um pai que requereu a anulação do registro de nascimento das filhas da esposa. Ele alegou que foi induzido a registrá-las como suas filhas, quando na realidade não o eram. Só depois da propositura da ação, as filhas descobriram que ele não era seu pai biológico.

O pai alegou que deveria prevalecer a verdade real, mesmo havendo vínculo socioafetivo entre eles. Sustentou que o registro deveria ser anulado por erro de vontade. Porém, não obteve sucesso no recurso interposto no STJ.

A Quarta Turma negou provimento ao recurso do pai, acompanhando o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão. Segundo ele, nos dias de hoje, a paternidade “deve ser considerada gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a socioafetiva. Assim, em conformidade com os princípios do CC/02 e da CF/88, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica, e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar”.

Salomão observou que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, “quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva”.

O ministro ponderou que se a declaração sobre a origem genética realizada pelo autor na ocasião do registro foi uma inverdade, “certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com as então infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade em si bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro”.

Limbo jurídico

Entendimento semelhante foi proferido pela Terceira Turma ao julgar recurso especial de relatoria da ministra Nancy Andrighi. Um pai ajuizou ação negatória de paternidade, na qual alegou tê-la reconhecido sob ameaças e pressões da mãe da criança. Requereu também a realização de exame de DNA, para comprovar a inexistência de vínculo biológico.

A ação foi proposta quando a criança já tinha cinco anos de idade. Em virtude da comprovação da ausência de vínculo biológico pelo exame, tanto a primeira instância quanto o TJSC determinaram a retificação do registro civil.

Ao julgar o recurso do Ministério Publico local contra o acórdão do tribunal catarinense, o STJ decidiu que não ocorreu vício de consentimento quando do registro da criança, nem que o pai tenha sido induzido a erro.

De acordo com Nancy Andrighi, em processos que lidam com o direito de filiação, “as diretrizes determinantes da validade de uma declaração de reconhecimento de paternidade devem ser fixadas com extremo zelo e cuidado, para que não haja possibilidade de uma criança ser prejudicada por um capricho de pessoa adulta que, conscientemente, reconhece paternidade da qual duvidava, e depois de cinco anos se rebela contra a declaração produzida, colocando a menor em limbo jurídico e psicológico”.

A ministra afirmou que, mesmo na ausência do vínculo genético, o registro da criança como filha, “realizado de forma consciente, consolidou a filiação socioafetiva”. Para Nancy Andrighi, é “inequívoco” o fato de que ele assumiu, “em ação volitiva, não coagida, a paternidade sociafetiva”.

Em outro recurso, o ministro Massami Uyeda (hoje aposentado) considerou que, “em se tratando de adoção à brasileira, a melhor solução consiste em só permitir que o pai adotante busque a nulidade do registro de nascimento, quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de socioafetividade com o adotado”.

Direito à verdade biológica
Outra discussão que surge no STJ é sobre a possibilidade de o vínculo socioafetivo com o pai registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica ou a obrigação patrimonial.

Sobre o assunto, a Terceira Turma decidiu que o adotado ilegalmente, mesmo usufruindo de uma relação socioafetiva com o pai registrário, tem direito, se quiser, a tomar conhecimento de sua “real história” e ter acesso à sua “verdade biológica”, pois “o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, assentado no princípio da dignidade da pessoa humana” – como afirmou a relatora, ministra Nancy Andrighi.

No caso julgado, uma mulher em idade madura ajuizou ação de investigação de paternidade, cumulada com petição de herança, pois o pai já era falecido. Na ocasião do seu nascimento, ela foi registrada como filha do marido de sua mãe, mesmo sendo filha biológica de outro homem.

Diante da confirmação do vínculo biológico trazida pelo exame de DNA, os herdeiros do pai sustentaram que, nesse caso, deveria prevalecer a paternidade socioafetiva em relação à biológica, pois se tratava de um caso de adoção à brasileira. Alegaram ainda que tanto a adoção como o registro civil eram irrevogáveis.

Segundo Nancy Andrighi, existe amplo reconhecimento da maternidade e paternidade socioafetivas pela doutrina e jurisprudência, bem como a possibilidade de ela prevalecer sobre a verdade biológica. “Trata-se do fenômeno denominado pela doutrina como a ‘desbiologização da paternidade’, o qual leva em consideração que a paternidade e a maternidade estão mais estreitamente relacionadas à convivência familiar do que ao mero vínculo biológico”, explicou a ministra.

Por outro lado, a ministra também esclareceu que, se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico, não é razoável que seja imposta a ele a prevalência da paternidade socioafetiva para impedir sua pretensão.

Obrigação patrimonial

Mesmo nas hipóteses em que a adoção é feita de maneira legal, nos termos do ECA e da Lei da Adoção, é assegurado ao adotado o direito de conhecer sua origem biológica (artigo 48). Contudo, lembrou Nancy Andrighi, quando uma adoção é efetivada pelos trâmites legais, há o “rompimento definitivo do vínculo familiar”. E se o adotado desejar conhecer sua origem biológica, “essa investigação não gera consequências de cunho patrimonial”.

Diferentemente, na adoção à brasileira, “embora não caiba a anulação do registro de nascimento (salvo na hipótese de erro), por iniciativa daquele que fez a declaração falsa, diante da voluntariedade expressada (artigo 1.604 do CC/02) e da necessidade de proteger os interesses do próprio adotado, se a pretensão for investigatória e advier da própria vontade do filho interessado, é assegurado a ele o direito à verdade e a todas as suas consequências, incluindo as de caráter patrimonial”, afirmou a ministra.

Busca pelos pais biológicos

Conforme afirmou o ministro Luis Felipe Salomão em outro recurso especial, “a tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante ponderação, e depende sempre do exame do caso concreto”.

O recurso tratou da história de uma mulher registrada pelos pais adotantes como se fossem seus genitores, depois de ter sido entregue pela mãe biológica ainda bebê. Posteriormente, a mãe biológica passou a conviver com ela como sua madrinha de batismo. O pai biológico possivelmente nem sabia da existência da filha.

Na adolescência, ela soube que sua mãe era, na verdade, a madrinha. Porém, somente após a morte dos pais registrais, e contando 47 anos de idade, soube a identidade do pai biológico e propôs a ação de investigação de paternidade e maternidade, cumulada com anulação de registro.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) julgou improcedente o pedido da autora, pois entendeu que a existência do vínculo socioafetivo entre os pais registrais e a autora da ação afastava a possibilidade de reconhecimento da paternidade biológica. No STJ, o entendimento do tribunal gaúcho foi reformado. A Quarta Turma deu provimento ao recurso da mulher.

De acordo com o relator, a paternidade biológica gera “necessariamente” uma responsabilidade que não se desfaz com a prática ilícita da adoção à brasileira, “independentemente da nobreza dos desígnios que a motivaram”. No mesmo sentido, “a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos da filha resultantes da filiação biológica, não podendo haver equiparação entre a adoção regular e a chamada adoção à brasileira”.

Salomão explicou que a paternidade socioafetiva prevalece sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, entretanto, ela não prevalece quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva.

O raciocínio deve ser aplicado para as adoções à brasileira, já que a adoção legal, conforme dispõe o ECA, é irrevogável e desliga o adotado de qualquer vínculo com pais e parentes (artigos 39, parágrafo 1º, e 41).

Pedido de terceiro

A Terceira Turma negou provimento ao recurso de um irmão que queria anular o registro de nascimento da irmã, afirmando que o pai havia praticado adoção ilegal.

A filha foi registrada em 1955, quando já possuía sete anos de idade e, segundo o recorrente, por insistência da então companheira de seu pai. Após aproximadamente 37 anos do registro, o fato foi tornado público e a filha tomou conhecimento de como aconteceu o seu registro. Daí se originou a ação ajuizada pelo irmão, para desconstituir a declaração de paternidade feita por seu pai biológico em relação à irmã adotada ilegalmente.

A relatora do caso foi a ministra Nancy Andrighi que, ao citar o artigo 1.601 do CC/02, lembrou que se restringe ao marido a legitimidade para contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, e ao filho a legitimidade para ajuizamento de ação de prova de filiação (artigo 1.606).

Todavia, a ministra ressaltou que esse leque foi ampliado pelo artigo 1.604, legitimando aqueles que provassem a existência de erro ou falsidade. Nesse último caso se encaixaria o interesse do irmão em contestar a paternidade.

A relatora ponderou que, se de um lado não há vínculo biológico entre o pai registral e a recorrida, a alteração do registro civil “deve ser avaliada à luz da existência de uma relação de filiação socioafetiva consolidada e construída sobre ações de boa-fé do pai socioafetivo”.

Nancy Andrighi entendeu que o pai registral, mesmo sem possuir vínculo biológico, ao registrar de forma consciente a criança como filha, consolidou a filiação socioafetiva. E embora a adoção tenha acontecido à margem da lei, a situação concretizou para a adotada a condição de filha, “que não pode ser enjeitada por aquele que registrou, nem ao menos contestada por terceiros”, avaliou.

De acordo com a ministra, a relação socioafetiva “não é constatada somente por meio de um convívio perene, mas no momento da declaração do pai registral, porque de outra forma se construiria relação filial sujeita às intempéries da vida, que podem determinar o afastamento de pessoas que mantinham íntima convivência, como de fato ocorreu na espécie”.

Direitos assegurados

Dessa maneira, nos recursos em que os adotantes ilegais queiram, tempos depois, negar a paternidade de seus filhos, ou quando terceiros alegam erro ou falsidade no ato do registro, percebe-se a prevalência da paternidade socioafetiva, “em nome da primazia dos interesses do menor”, explicou Nancy Andrighi.

Nos casos em que os filhos adotados ilegalmente buscam o reconhecimento dos pais biológicos, a tendência é que a verdade biológica prevaleça, em razão do “princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido no artigo 1º, inciso III, da CF/88”, e que traz em seu bojo “o direito à identidade biológica e pessoal” – ponderou a ministra.
 
Fonte: STJ.

Relato unilareal de conflito familiar em jornal resulta em indenização

Uma empresa jornalística que edita periódico em cidade do interior catarinense terá que bancar indenização, fixada em R$ 4 mil, em benefício de uma senhora que teve sua intimidade familiar exposta a partir da transcrição literal de um boletim de ocorrência em sua seção policial. O fato envolveu queixa formulada por uma enteada contra sua madrasta e revelava conflitos familiares.

Em apelação ao TJ, a empresa sustentou não ter havido dolo ou culpa na veiculação da notícia e que se limitou a reportar o conteúdo constante do boletim de ocorrência lavrado pela vítima, em típico exercício do direito de informar. O desembargador Ronei Danielli, relator da matéria, entendeu que o jornal não adotou os cuidados indispensáveis ao tratar de matéria desta natureza, seja ao divulgar o nome completo das partes envolvidas ou ainda ao não procurar ouvir a versão da parte contrária.

Questionou ainda o valor social da informação. “(...) se decidiu expor o nome completo das partes envolvidas, deveria ter mencionado que a enteada, registrante, consignou perante a autoridade policial o desinteresse pela adoção de quaisquer providências criminais ou ainda buscado precaver-se acerca da higidez da denúncia, ouvindo a parte contrária", anotou.

A decisão, unânime, manteve a condenação mas acolheu parcialmente o apelo para reduzir o valor indenizatório, anteriormente arbitrado em R$ 7 mil, e fixá-lo em R$ 4 mil. Para isso, levou em consideração a situação econômica das partes envolvidas (Apelação Cível n. 2013.030323-6).
 
Fonte: TJSC.

Banco desconsidera leasing quitado

A juíza Vera Regina Bedin, titular da 1ª Vara Cível da comarca de Itajaí, condenou um banco ao pagamento de indenização de R$ 20 mil, por danos morais a uma consumidora que, mesmo após quitar veículo adquirido por meio de leasing, foi surpreendida com a negativa da instituição financeira em lhe fornecer o documento único de transferência (DUT), e com a existência de restrição para o licenciamento em razão de o automóvel aparecer como vendido para terceiro – neste caso, por meio de financiamento.

Ao longo do processo, ficou clara a participação de um preposto da instituição nos negócios entabulados após a quitação do leasing, todos considerados nulos pela Justiça. O caso foi tratado segundo as regras do Código de Defesa do Consumidor. A magistrada, ao reconhecer a quitação do leasing, determinou também que o banco promova a imediata entrega do DUT, livre de quaisquer ônus à autora. “O réu [banco] rescindiu o contrato e vendeu o veículo para terceiro sem conhecimento da autora, que estava e está na posse do veículo até hoje", anotou a magistrada (Autos n. 03311010228-5).
 
Fonte: TJSC.