O comandante de um
navio de bandeira estrangeira que chegue ao Brasil precisa entregar 190
informações para as autoridades do governo brasileiro. Às vezes, a mesma
informação segue em documentos diferentes para a Receita, a Marinha, a Anvisa e
a Polícia Federal. Para sair do país, a situação não é diferente: dos 13 dias da
jornada de um contêiner rumo à exportação, seis são gastos com papelada no
porto, segundo o Banco Mundial.
Cingapura, que tem o melhor desempenho nesse
ranking, gasta um dia; os Estados Unidos, dois. Essa é uma das razões pelas
quais o preço para exportar um contêiner no Brasil é mais do que o dobro do
cobrado na Europa: US$ 2.215 aqui; US$ 1.028 lá. Apesar do caos logístico para
entrar e sair dos portos, a burocracia ainda é o principal problema dos portos
brasileiros, segundo pesquisa com usuários feita pelo Ilos (Instituto de
Logística e Supply Chain). Nenhum desses problemas, porém, foi atacado pela MP
dos Portos, proposta aprovada depois de uma batalha política no Congresso
Nacional.
O PAPEL DO PORTO Implantado em 34 portos desde 2010, o programa Porto
Sem Papel acabou criando mais burocracia. "Como os órgãos do governo não
aderiram, as empresas são obrigadas a inserir as informações no sistema
eletrônico e entregar fisicamente em papel. Ficou pior", diz Luis Resano,
presidente do Syndarma (Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima).
Resano conhece o assunto. Entre 2007 e 2010, ele ocupou a diretoria de sistemas
de informação da Secretaria Especial de Portos e foi um dos responsáveis por
construir o programa, que não funciona.
O Porto Sem Papel cria uma rede em que
todos os órgãos do governo podem acessar as informações dos navios, dos
tripulantes e da carga. A Receita, no entanto, não utiliza esse sistema. MEDIDA
MILAGROSA O governo exagerou ao transformar a MP dos Portos na salvação do
setor, diz o engenheiro Paulo Resende, professor de logística da Fundação Dom
Cabral. "A MP é um marco modernizante porque vai aumentar a concorrência entre
portos público e privado.
Mas porto é só origem e destino", diz Resende.
Logística, segundo ele, requer abordagem integrada entre porto, rodovia,
ferrovia e armazenagem --e isso passou longe da MP. O caos que voltou a tomar
conta dos rodovias que dão acesso ao porto de Santos, entre quinta e
sexta-feira, é a demonstração de que a falta de planejamento é crônica.
A
infraestrutura também é precária. A Anchieta, principal acesso ao maior porto da
América Latina, é praticamente a mesma estrada desde que a primeira pista foi
inaugurada em 1947, segundo Resende. É hoje a única estrada para os caminhões
chegarem até os portos. As ações do governo para melhorar tanto o desempenho
interno dos portos quanto o acesso permanecem tímidas ou equivocadas, afirma
Paulo Fleury, diretor-geral do Instituto Ilos. Ele menciona dois exemplos de
programas ineficientes: o Porto 24 Horas e a ligação dos portos com ferrovias.
O
Porto 24 Horas foi criado às pressas pelo governo como resposta às filas de
caminhões em Santos, provocada pela supersafra de grãos. "Em 48 horas o governo
criou o Porto 24 horas, mas esqueceu de contratar gente para a Receita, Anvisa.
Eles não trabalham de madrugada. O operador de terminal fica esperando a
burocracia acordar", diz Fleury. A construção de ferrovias conectadas aos portos
é um dos alvos do Plano Nacional de Logística. O governo prepara concessões para
construir 10 mil quilômetros de ferrovias, com investimento de R$ 91 bilhões em
30 anos. "O governo não tem um estudo sério sobre onde vão ser os terminais das
ferrovias.
Se o terminal estiver mal posicionado, o transporte por ferrovia fica
mais caro do que por rodovia", afirma Fleury. OUTRO LADO Órgãos do setor não
comentam os entraves O governo não vai recuar do Programa Porto 24 horas. Em
entrevista recente à Folha, Leônidas Cristino, ministro dos Portos, disse que o
governo vai contratar gente e equipamentos para fazer funcionar os órgãos de
fiscalização em período integral. Sobre os problemas com o programa Porto Sem
Papel, o ministério não fez comentários.
A Codesp (Companhia Docas do Estado de
São Paulo) afirma, como administrador, que exige seis documentos das companhias
de navegação e dos importadores. A lista se multiplica com informações exigidas
por outros órgãos, como Polícia Federal, Capitania dos Portos, Vigiagro (Sistema
de Vigilância Agropecuária Internacional), Anvisa e Receita. Procurada, a
Receita não quis comentar as críticas para o fato de não aderir ao programa
Porto Sem Papel.
A EPL (Empresa de Pesquisa e Logística) também não quis se
pronunciar sobre os atrasos no programa de concessões ferroviárias e sobre a
falta de estudos sobre terminais nos projetos de ferrovias que fazem parte do
Plano Nacional de Logística. (MCC E AB) Gargalos portuários Infraestrutura
precária, burocracia, mão de obra mal formada; portos brasileiros funcionam no
meio do caos Porto 24 Horas que trabalha apenas no horário comercial. Porto sem
papel que não consegue eliminar a papelada.
Filas de navios que querem carregar.
Filas quilométricas de caminhões que querem descarregar. "A logística está no
acostamento das estradas. Chegamos a esse absurdo", diz o engenheiro Paulo
Resende, professor da Fundação Dom Cabral, em Belo Horizonte. O sistema
portuário nacional, 135º num ranking de 144 países elaborado pelo Fórum
Econômico Mundial, movimentou 904 milhões de toneladas de carga em 2012. Mas a
supersafra de grãos do Brasil em 2013 --que deve chegar a mais de 180 milhões de
toneladas-- revelou neste ano como os 34 portos brasileiros estão no limite e
possuem infraestrutura precária e estrutura de fiscalização considerada
burocrática e obsoleta por especialistas.
A Medida Provisória dos Portos,
aprovada no Congresso Nacional na semana retrasada, é considerada um marco
modernizante, mas deixou intocada a burocracia. Para mudar esse cenário, o
governo aguarda investimentos de R$ 54 bilhões nos portos nos próximos anos.
MARIO CESAR CARVALHO AGNALDO BRITO DE SÃO PAULO.
Fonte: Folha de São Paulo.
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